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Sangue. Suor. Lágrimas. Alegria. Epítomes da paixão por um clube. A relva destroçando-se sob os pitões das botas, a camisola batendo contra o corpo como vento esbofeteando a bandeira, as gotas de suor deslizando sobre a pele, cada cicatriz uma montanha que o fruto do esforço tem de escalar. O coração batendo forte, as pernas fraquejando, a visão desbotada. Inspira, expira. A respiração não é fácil, mas cada estilhaço de fôlego é agarrado com unhas e dentes, como se de um qualquer amuleto da salvação se tratasse. Talvez o seja. Talvez o seja…
O ser humano move-se por amor. Amor
ao outro, a si mesmo, a um objecto ou uma ideia. Amor a um passatempo, uma
profissão. Amor a um clube. Sobre o campo, nos duelos mais intensos, nos
embates mais decisivos, não só ganha quem pensa; também ganha quem sente.
Aquele cujo coração bate mais forte e doloroso no peito, que batalha por cada
bola como se fosse a única, quem carrega a camisola no corpo como estandarte ou
bandeira de uma nação.
Mas deixemo-nos de falsa poesia. Durante
o embate FC Porto-Benfica, num Dragão recheado de adeptos em chama, ficou em má
imagem uma equipa vestida de Atlântico azul e celestial branco, que nunca
pareceu saber o que aquelas cores significam. Do outro lado do campo, em sangue
rubro e inflamado, um capitão de alma encarnada, olhos e leme de uma águia com
efectiva noção de tudo o que ali havia em jogo. Flanqueado por um veterano com
anos de benfiquismo e um jovem da cantera lisboeta, o grande Luís guiava as
suas tropas com paixão. Amor à camisola.
Regressemos ao azuis-e-brancos.
Dragão sem chama. Num plantel recheado de estrangeiros de qualidade, poucos
sabem o que significa a expressão tornada mítica por Nuno Espírito Santo:
“somos Porto.” Aqueles que sabem não jogaram, ora por lesão (Rúben Neves) ora
por opção do treinador (Quaresma); mesmo Maicon, o único outro com noção do que
é um Porto-Benfica, de tudo o que há por trás do embate, foi preterido por
outro espanhol.
O problema, desenganem-se, não é a
falta de portugueses ou o excesso de estrangeiros. Luisão e Maxi são de terras
outras e sabem o que é ser Benfica. A quimera deste Porto começa no seu próprio
treinador, não pela falta de qualidade do mesmo, mas por ele próprio não
compreender tudo o que envolve este duelo. Não são só três pontos; é o orgulho
de vencer o maior rival, de se poder gabar de ser o más grande de Portugal. E por não perceber isso, foi também incapaz
de compreender que aqui não importa apenas a qualidade dos intervenientes, mas
também as suas emoções. Porque aqueles que sentem o duelo tornam-se bestas,
gigantes, caçadores de águias ou dragões sem qualquer piedade.
Quaresma pode até não ser melhor que
Tello ou Brahimi, mas tem uma característica que nestes embates vale mais que a
qualidade futebolística: é portista. Sabe o que é ser dragão. Maicon, por
muitos erros que cometa e assobiadelas que receba, também o sabe. O que o
Benfica tinha no onze titular em dose tripla o Porto apresentou em dose
nenhuma. E viu-se, quando o Mustang entrou, aquela dose de algo, um je ne sais quoi que careceu nos outros
por uma simples razão: não sentem a camisola.
O que neste FC Porto abunda em
qualidade falta em amor ao clube. O Benfica tem-no, além de um grande treinador
que soube como prender as peças do xadrez azul-e-branco. Claro que, sejamos
realistas, a emoção não é o mais fulcral dos factores; no entanto, desempenha
papel determinante num clássico desta dimensão. Apesar de todos os miúdos
brilhantes nos quadros, faltou ontem ao Porto maior noção da dimensão deste
jogo. Um portista. Alguém que quer mais, que quer melhor; alguém que coma a
relva só para poder gabar-se, nem que por apenas seis meses, de que venceu o
grande rival. O Benfica tinha nas suas fileiras tais guerreiros. O Porto não,
castrado por lesões e opções do seu treinador, isto porque ele mesmo não
compreende o que é conhecimento geral em Portugal: que qualquer portista
comeria relva, terra e raízes, se fosse preciso os próprios adversários, só
para poder vencer o Benfica.
Neste momento, dos três grandes, o
Porto é o que mais perdeu a identidade. Irónico, visto que tantas vezes se
superiorizou aos rivais por ser o que mais a tinha. Isso vê-se nos duelos entre
grandes, pois enquanto o Sporting e o Benfica tem elementos (elevados a
capitães) que fazem das tripas coração para bater os rivais, os portistas têm
apenas grandes jogadores. Não chega.

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